stockler nunes advogados - firma de advocacia

O Direito de Preferência e o Direito de Primeira Oferta

Com o desenvolvimento da atividade empresarial, naturalmente as relações entre sócios ganharam em complexidade e detalhamento. Estruturas contratuais que eram utilizadas para regular o relacionamento entre acionistas de grandes grupos e/ou aquele envolvendo investidores profissionais passaram a ser adotadas de forma mais ampla, inclusive em negócios de menor porte e até mesmo em novos empreendimentos que ainda estão em fase iniciais.

Neste contexto, é cada dia mais comum a definição de regras criando mecanismos de liquidez e de proteção de patrimônio em acordos de sócios de sociedades de todos os tamanhos, criando portas de saída a sócios para o desinvestimento e proteção contra o ingresso de investidores indesejados em seus negócios.

Muitas são as opções conhecidas e comumente previstas em acordos de sócios, dependendo da intenção das partes envolvidas e a proteção buscada. Assim, a utilização de cláusulas estabelecendo o direito de preferência ou de primeira oferta para aquisição de participação, direito de venda conjunta, opções de compra ou de venda, entre outros, é cada vez mais frequente em instrumentos contratuais regulando as relações entre sócios de negócios de todos os tamanhos e formas.

Alguns dos conceitos, no entanto, podem ser confundidos por aqueles que têm menos contato com regras dessa natureza, acabando por criar dificuldades na negociação dos contratos ou, em hipótese ainda pior, na aplicação dos dispositivos de um acordo de sócios a uma situação específica. Exemplo típico é a diferenciação entre direito de preferência e direito de primeira oferta.

Primeiramente, é importante esclarecer que o direito de preferência mencionado acima é aquele que assegura aos sócios a opção de adquirir a participação de um sócio retirante de uma sociedade nos mesmos termos de uma oferta recebida de um terceiro (o chamado right of first refusal, em seu termo em inglês). Não se trata, portanto, do direito de preferência existente por determinação legal, que garante aos sócios o direito de subscrever quotas/ações em aumentos de capital da sociedade em que participa na proporção de sua participação no capital social (este, o preemptive right).

Ou seja, enquanto a própria legislação prevê regra com a intenção de assegurar que todos os sócios possam participar de aumentos de capital (evitando diluição de seus respectivos quinhões, exceto se optarem por não subscrever a parcela das novas quotas/ações a que teriam direito), limitações a serem impostas para tentar impedir a alienação de quotas/ações por um sócio a terceiros devem ser previstas contratualmente, mediante a inclusão de regras como o direito de preferência, por exemplo.

Por se tratar de mecanismo não previsto na lei, caberá aos acordos de sócios estabelecer integralmente o procedimento a ser adotado, os casos em que o direito poderá ser exercido, suas exceções e demais condições. A praxe é que o direito de preferência deve ser exercido pelos demais sócios (na proporção definida no contrato) dentro de um determinado período e nas mesmas condições da oferta recebida pelo alienante.

Em seu turno, o direito de primeira oferta, apesar de também servir para evitar o ingresso de terceiros estranhos ao capital social no negócio, é aplicável em momento diverso, de forma que não é incomum a convivência dos dois mecanismos em um mesmo acordo de sócios.

O direito de primeira oferta, no entanto, é aplicável não no momento em que um sócio recebe uma proposta de um terceiro para alienação de sua participação, mas sim quando este sócio decide alienar suas quotas/ações. Nesse contexto, o sócio que tomou a decisão de se desfazer de sua participação societária deve comunicar aos demais sócios sua intenção de liquidar o investimento, para permitir que tais sócios façam propostas para aquisição das quotas/ações, com prioridade ao oferecimento do negócio a terceiros.

Com as ofertas recebidas dos demais sócios, o sócio alienante pode optar por vender sua participação nos termos da proposta recebida ou ir a mercado, utilizando os termos e condições da proposta recebida dos sócios como condições mínimas para a alienação. Assim, ficaria o sócio alienante autorizado a vender suas quotas/ações a terceiros desde que em termos e condições mais favoráveis do que aqueles constantes da proposta recebida de um de seus sócios. Um cuidado especial deve ser adotado para a criação de critérios objetivos para a verificação do que deve ser considerado como “condições mais favoráveis” para reduzir a margem de dúvida e questionamentos futuros sobre a legalidade da alienação. É esse, talvez, o maior desafio deste tipo de cláusula.

Não existe uma resposta única sobre qual de tais mecanismos deve ser utilizado em um acordo de sócios. O ideal é que o caso específico seja analisado e o modelo definido pelos sócios com base em suas expectativas quanto ao negócio e maior ou menor necessidade de liquidez para o investimento, entre outros critérios.

Tendo em vista suas próprias características, o direito de preferência é entendido como criando uma redução à liquidez do investimento. Isso porque muitos investidores optam por não iniciar longas investigações sobre a empresa alvo ou a negociação de valores com potenciais vendedores em função da incerteza sobre se, mesmo que se chegue a um acordo quanto aos termos da operação, poderão adquirir a participação ao final do processo.

Por outro lado, o direito de primeira oferta pode criar uma base de valor mínima que não seja alcançada junto a outros investidores no mercado e, dependendo das regras previstas na cláusula contratual relevante, impedir a alienação inclusive ao sócio que fez a oferta inicialmente (pelo decurso de prazo ou outra condição prevista contratualmente, por exemplo).

Em suma, é preciso que sócios de um determinado negócio avaliem e definam o que esperam de seus investimentos e que tipos de limitações e regras de saída gostariam que fossem estabelecidas nos respectivos acordos de sócios previamente ao preparo e negociação destes instrumentos. Os sócios devem conhecer as implicações e efeitos práticos dos diferentes mecanismos usualmente utilizados para definir o direcionamento a ser adotado nas discussões e preparo do acordo de sócios, buscando evitar limitações e consequências indesejadas no momento de um evento de liquidez.

 

Rio de Janeiro, setembro 2018

Este artigo tem caráter meramente informativo e traz apenas comentários gerais sobre a matéria em análise, de forma que não deve ser interpretado como contendo uma opinião, aconselhamento ou recomendação por parte de Stockler Nunes Advogados para aplicação a uma situação específica.