Pandemia do Coronavírus – Questões Jurídicas

Grandes crises podem causar diversos efeitos para a sociedade, com consequências distintas para cada setor da economia. A pandemia do COVID-19 recentemente declarada, inegável questão de saúde pública, terá reflexos na esfera jurídica, devendo ser considerado seu impacto nas relações existentes.

Sua acelerada disseminação resultou em uma série de medidas como restrições de acesso a locais de maior circulação, cancelamentos de eventos com grandes aglomerações, entre outras, além de ser responsável, ao menos em parte, por acentuada queda experimentada pelo índice IBOVESPA e perdas financeiras para grande parte do mercado de capitais brasileiro nos últimos dias. São situações que muitas vezes se tornam impeditivas do cumprimento de obrigações ou que podem suspender direitos e deveres por determinado prazo e até desencadear uma série de inadimplementos em contratos conexos ou subordinados ao primeiro com efeitos devastadores para vários agentes da economia, por exemplo.

Fato inesperado e imprevisível, a caracterização da ocorrência de um evento de força maior deve ser avaliada em cada relação jurídica para que se possa mapear os efeitos da pandemia nos diferentes cenários. Por conta de seu tratamento bastante genérico na lei, é comum que contratos tragam definições mais detalhadas sobre os eventos que caracterizam a força maior para a relação obrigacional específica e que podem resultar na impossibilidade de cumprimento temporário de uma prestação e até mesmo na rescisão contratual em determinados casos, dependendo do prazo de duração do evento.

No campo obrigacional, a crise atual pode ainda resultar no desequilíbrio das relações contratadas, devendo ser verificado (i) se seria suficiente para caracterizar onerosidade desproporcional a uma das partes, gerando a possibilidade de resolução ou revisão contratual, ou (ii) se poderia ser enquadrada como resultando em um efeito adverso relevante (material adverse effect), muitas vezes utilizado como gatilho em contratos mais robustos para suspender ou limitar, ainda que temporariamente, a necessidade de cumprimento das obrigações de uma parte ou para justificar a aceleração de obrigações de pagamento ou a rescisão contratual, entre outros.

Efeitos podem ser sentidos também em outros campos do Direito, afetando as relações de trabalho, os direitos do consumidor e outros, além de trazer consequências para o andamento das ações judiciais em curso, como limitação da realização de audiências e de outros atos processuais, por exemplo.

A questão tem tratamento legal bastante genérico e a adoção de qualquer medida exige cuidado. A análise das consequências jurídicas da pandemia em cada situação específica deve levar em consideração as particularidades do caso e de seus efeitos para o ambiente em que cada relação se insere, à luz de princípios como a boa-fé e função social do contrato. Só com o entendimento mais amplo do cenário total de cada caso é que será possível determinar o caminho a ser adotado nas diferentes relações.

 

Rio de Janeiro, março 2020

Este artigo tem caráter meramente informativo e traz apenas comentários gerais sobre a matéria em análise, de forma que não deve ser interpretado como contendo uma opinião, aconselhamento ou recomendação por parte de Stockler Nunes Advogados para aplicação a uma situação específica.