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Investimento-Anjo e sua Definição

Nem só de boas ideias depende o desenvolvimento de um novo negócio. Cada fase de um empreendimento exige um certo grau de investimento e os empreendedores podem não ser capazes de fazer frente a todos esses compromissos financeiros. Assim, ferramentas usuais de mercado foram adaptadas e passaram a ser oferecidas como alternativas para a capitalização de tais negócios, empreendimentos ou sociedades.

 Um dos modelos bastante difundidos é o chamado “investimento-anjo”, que permite a injeção de recursos em uma sociedade sem que o credor (ou investidor), contudo, passe a integrar seu quadro societário e com condições definidas em lei um pouco diferentes daquelas adotadas em operações de crédito em geral.

 O investimento-anjo foi regulamentado pela Lei Complementar n.º 155 de 27 de outubro de 2016, que introduz modificações à Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006. Nos termos desta lei, o investimento-anjo é um aporte de capital em sociedades que se enquadram como microempresa ou empresa de pequeno porte, que não deve integrar seu capital social, como forma de incentivo às atividades de inovação e investimentos produtivos.

 Um ponto que merece atenção neste tipo de operação é a necessidade de formalização através de um “contrato de participação”, que deverá ter prazo de vigência superior a sete anos. Não há definição legal ou exigências mínimas aplicáveis a este tipo de contrato que possam servir como diretrizes para o seu preparo, de forma que cabe às partes e seus advogados a adoção de um certo grau de criatividade na formalização do negócio. A nosso ver, tal instrumento contratual deve estabelecer as condições básicas do investimento, as condições do negócio (inclusive a opção de conversão do crédito em participação societária, quando aplicável) e deixar claro as finalidades de fomento à inovação e investimentos produtivos para cumprimento da exigência legal.

 De toda forma, a lei traz alguns conceitos importantes para este tipo de negócio, definindo que o investidor-anjo (i) não será considerado sócio e não terá ingerência ou voto na administração da empresa, (ii) não responde por dívidas da empresa e não deve sofrer as consequências de uma desconsideração da personalidade jurídica nos casos permitidos em lei, e (iii) deve ser remunerado por seus aportes pelo prazo de cinco anos nos termos do contrato de participação (estabelecendo uma limitação equivalente a montante não superior 50% (cinquenta por cento) dos lucros da sociedade em cada período), entre outros.

 Fica claro que a intenção da lei é a de desvincular a figura do investidor-anjo daquela do investidor que faz parte do quadro social da empresa. A diferenciação faz sentido como uma forma de dar segurança ao investidor-anjo de que não estaria sujeito a determinadas responsabilidades e riscos dos sócios, mas buscando ainda assim garantir ao investidor-anjo uma participação nos resultados do negócio.

 Neste sentido, a lei traz regra interessante pela qual, caso os sócios decidam pela alienação da sociedade tomadora do investimento, o investidor-anjo terá direito de preferência na aquisição, bem como o direito de venda conjunta do aporte de capital, nos mesmos termos e condições ofertados aos sócios. Ou seja, a lei prevê que serão aplicáveis ao investidor-anjo direitos usualmente disponíveis a sócios em sociedades mais estruturadas e cuja relação entre os sócios é regulada por acordo de acionistas como uma forma de proteção de sua participação no negócio. A ideia seria permitir que o investidor-anjo que acredita no negócio no qual investiu possa adquirir a sociedade ou aproveitar termos e condições vantajosos disponibilizados aos sócios por terceiros interessados na aquisição para alienação de sua posição de crédito.

 Por outro lado, a lei também estabelece alguns limites a serem observados pelo investidor-anjo para garantir sua permanência no negócio por um prazo mínimo, como uma forma de evitar a participação meramente especulativa no financiamento da sociedade. Assim, o investidor-anjo não pode exercer seu direito de resgate do investimento antes do prazo mínimo de dois anos do aporte (ou prazo superior, se previsto no contrato de participação), devendo o valor do resgate ser equivalente ao valor investido, corrigido no período, de forma que toda a real remuneração esperada pelo investidor-anjo deverá estar vinculada ao resultado da empresa investida.

 Outro ponto que vem sendo objeto de discussão (e inclusive um recente projeto de lei para sua modificação) é o tratamento fiscal aplicável ao investimento-anjo. O modelo atualmente em vigor acaba por onerar a operação, distanciando investidores do negócio e reduzindo a disponibilidade de crédito, entre outros efeitos, em que pese as discussões jurídicas relacionadas à constitucionalidade do regramento atual e a consequente possibilidade de se questionar a incidência dos tributos exigidos. Pelas regras em vigor, o resultado obtido pelo investidor-anjo é tributado com base em metodologia semelhante à adotada para a tributação de rendimentos de alguns tipos de aplicação financeira, com a aplicação de alíquotas progressivas em razão do tempo do negócio. Este tratamento vem sendo bastante questionado em função das próprias características e do conceito por trás deste tipo de operação, que deveria estar muito mais próxima de um investimento de capital na sociedade do que de uma aplicação financeira.

 A nosso ver, o ambiente legal relacionado a este tipo de investimento (e os benefícios que podem vir a ser gerados ao mundo de negócios em geral) deve ser considerado como um todo para a definição de suas características. Não apenas uma maior flexibilidade com relação aos termos e retornos do investimento, a melhor definição do “contrato de participação” e um tratamento tributário adequado precisam ser pensados, mas também a própria expectativa dos investidores com relação ao negócio.

 O investimento-anjo é um instituto que deve ser comemorado e estimulado. A despeito da necessidade de ajustes nas regras legais aplicáveis, trata-se de um modelo de estímulo a novos negócios e o crescimento da economia. Cabe às partes envolvidas e seus assessores estruturarem as operações com os cuidados necessários para que os desafios legais possam ser ultrapassados.

 

Rio de Janeiro, julho 2017

Este artigo tem caráter meramente informativo e traz apenas comentários gerais sobre a matéria em análise, de forma que não deve ser interpretado como contendo uma opinião, aconselhamento ou recomendação por parte de Stockler Nunes Advogados para aplicação a uma situação específica.