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Cuidados na Estruturação do Usufruto de Ações

Planejamentos sucessórios, reorganizações societárias e operações estruturadas de crédito, apesar de negócios com finalidades diferentes, podem ter mais em comum do que se pode imaginar à primeira vista. Isto porque, mesmo sendo implementados para proteção de bens jurídicos distintos, muitas vezes a estruturação dessas operações pode contar com elementos de preocupação bastante parecidos.

Por exemplo, cada um desses modelos pode envolver a imposição de restrições aplicáveis a valores mobiliários representativos do capital social de uma sociedade, como uma forma de proteção de patrimônio, limitação de direitos ou para a constituição de garantias. Assim, qualquer uma dessas operações pode conter regras regulando a forma e condições para a alienação dos bens (direito de preferência e períodos de bloqueio, entre outros) ou mesmo a efetiva constituição de garantias vinculadas aos valores mobiliários (desde mecanismos de cessão condicional até a constituição de ônus reais propriamente ditos), em cada caso buscando endereçar uma preocupação diferente.

Um dos institutos bastante utilizados nestas estruturações é o chamado usufruto, que é um direito real pelo qual o proprietário de um determinado bem transfere a um terceiro o direito de posse, uso, administração e percepção de frutos. Em outras palavras, trata-se de uma ferramenta legal pela qual o titular de determinado ativo cede a uma outra pessoa o direito de usar e gozar do bem, sem contundo transferir sua propriedade.

Existem diversas razões que justificam a sua utilização nos mais diferentes tipos de operação e é de certa forma comum a criação de usufruto de quotas/ações como parte de estruturas de planejamento sucessório ou de redefinição de regras de governança, bem como em determinadas operações de concessão de crédito ao acionista ou à sociedade.

Apesar de sua crescente utilização, as regras previstas na legislação brasileira aplicáveis a usufruto de quotas/ações não tratam do assunto com profundidade, deixando que os termos e condições do negócio sejam definidos entre as partes. Assim, abriu-se espaço para uma determinação caso a caso da forma como devem ser tratadas questões como direito aos dividendos e outros pagamentos realizados pela sociedade e o exercício do direito de voto, por exemplo.

Ainda que exista consenso no sentido de que dividendos devem, em tese, ser pagos ao usufrutuário (aquele em favor de quem foi instituído o usufruto), não existe dispositivo legal que proíba que as partes definam contratualmente um compartilhamento no resultado obtido, por exemplo, ainda que pouco usual.

Com relação ao direito de voto, a discussão pode ser ainda maior. A questão não foi tratada de forma clara na legislação e há opiniões em diferentes direções nos mais diversos trabalhos jurídicos sobre o assunto. Por exemplo, a lei das sociedades por ações apenas indica que o direito de voto da ação gravada com usufruto deve ser regulado no ato de constituição do gravame e, caso não o seja, seu exercício dependerá de acordo prévio entre o proprietário e o usufrutuário.

Ou seja, a lei não traz uma determinação sobre o que deve ocorrer na hipótese em que a questão não esteja regulada em contrato e as partes não cheguem a um acordo sobre um determinado voto. Esta lacuna gera uma grande incerteza, havendo quem defenda que (i) o voto deve caber ao usufrutuário (ii) o voto compete ao proprietário da ação; e (iii) sem consenso, nenhum dos dois estaria apto a votar.

As dúvidas não são apenas relacionadas a questões de natureza societária, existindo um debate teórico sobre a possibilidade de tributação dos dividendos pagos ao usufrutuário (e não ao acionista). Este ponto, no entanto, foi objeto de esclarecimento em razão de Solução de Consulta emitida recentemente pela Receita Federal do Brasil, que confirmou que o pagamento dos dividendos ao usufrutuário está sujeito às mesmas regras aplicáveis ao pagamento ao próprio acionista.

Em suma, o usufruto de ações é um instituto que alcança muitos dos objetivos buscados em operações de planejamento sucessório, reorganização de regras de governança e em operações de crédito específicas e sua utilização pode ser bastante benéfica em diferentes cenários.

Entretanto, é necessário que os documentos criando o gravame sejam preparados com zelo, regulando a relação entre proprietário e usufrutuário de forma detalhada após discussões sobre todos os aspectos de interesse das partes, como forma de reduzir a possibilidade de discussão futura sobre o entendimento que deve prevalecer em determinadas situações.

 

Rio de Janeiro, agosto 2018

Este artigo tem caráter meramente informativo e traz apenas comentários gerais sobre a matéria em análise, de forma que não deve ser interpretado como contendo uma opinião, aconselhamento ou recomendação por parte de Stockler Nunes Advogados para aplicação a uma situação específica.