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Contrato Assinado Digitalmente e Testemunhas

Contratos são comumente definidos como os instrumentos pelos quais duas ou mais partes estabelecem as regras que devem ser aplicáveis a um determinado negócio. Ainda que exista liberdade aos envolvidos para a elaboração de tais documentos de forma geral, a lei estabelece requisitos mínimos a serem observados e, em casos específicos, regras (como termos mínimos a serem seguidos em contratos de locação e distribuição comercial, entre outros) e/ou outras exigências (escritura pública, registro, etc) que devem ser seguidas em determinados tipos de contratos.

Neste sentido, a lei prevê, por exemplo, que contratos devem ser firmados pelas partes e por duas testemunhas para que sejam considerados como títulos executivos extrajudiciais. Em uma explicação rasteira, isso significa que valores devidos com base em contratos que contenham a assinatura de duas testemunhas podem ser cobrados diretamente através de um processo de execução, sem a necessidade de uma ação judicial anterior para reconhecimento da existência da dívida.

Com a evolução das relações contratuais e o uso cada vez maior da tecnologia, muitos contratos vêm sendo celebrados por meio de processos que permitem a assinatura digital pelas partes, através da utilização de dispositivos pessoais e sistemas que adotam protocolos de segurança e autenticidade.

Nesta nova realidade, surge um questionamento sobre a viabilidade da participação de testemunhas na celebração de negócios jurídicos objeto de contratos eletrônicos assinados digitalmente. Isso porque estes instrumentos podem ser firmados a distância e até mesmo em momentos distintos, de forma que não haveria como um terceiro pudesse participar da conclusão da operação.

A controvérsia pode ser verificada nos estudos mais recentes sobre o assunto: enquanto alguns autores entendem que a falta das testemunhas limitaria os efeitos do contrato eletrônico celebrado digitalmente, outros defendem que a participação de testemunhas neste novo modelo seria uma ficção despropositada. Ou seja, existem duas interpretações que ainda precisam ser testadas mais profundamente com relação à natureza de título executivo extrajudicial destes documentos: a primeira defendendo a aplicação da norma legal em vigor de forma restrita e a segunda, a necessidade de adaptação da interpretação em função da evolução das práticas comerciais.

A discussão foi recentemente levada à análise do Superior Tribunal de Justiça – STJ em ação tratando da possibilidade de cobrança judicial de valores devidos com base em contrato de mútuo assinado digitalmente em que não consta a assinatura de testemunhas. Em sua decisão, a Terceira Turma do STJ afirmou que o procedimento de assinatura digital tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), as partes que efetivamente participam do ato. Com esse posicionamento, foi sinalizado que a certificação digital não necessariamente afetaria a possibilidade de cobrança de valores devidos com base em um contrato eletrônico assinado digitalmente via ação de execução, apesar de ainda não trazer uma afirmação categórica neste sentido.

Como indicado, esta decisão não estabelece um direcionamento definitivo e o assunto ainda pode ser objeto de discussão, tanto no próprio caso específico quanto em outras relações que venham a ser levadas ao STJ. De qualquer forma, a interpretação adotada deve ser comemorada como um passo importante para uma mudança de paradigma nas relações contratuais modernas em que cada vez mais a tecnologia desempenha um papel preponderante na maneira de atuação dos agentes de mercado.

 

Rio de Janeiro, junho 2018

Este artigo tem caráter meramente informativo e traz apenas comentários gerais sobre a matéria em análise, de forma que não deve ser interpretado como contendo uma opinião, aconselhamento ou recomendação por parte de Stockler Nunes Advogados para aplicação a uma situação específica.